Nesta cidade, que parece ter sido projetada e construída dentro de um vulcão; que quem chega nela via Anhanguera cantando a música sertaneja "toda iluminada feito céu no chão"; ou para os nada românticos, um buraco abafado, que venta pouco e é mais seca que minha calcinha após a cantada de homens no close friends, é que minha pele habita, meu corpo sobrevive e minha alma deseja profundamente mudar.
Domingo o sol já queima minha janela às 5h da manhã nesta quarta primavera sem horário de verão. "Já chega! A mudança da minha vida não precisa começar numa segunda-feira, é hoje mesmo que vou caminhar no parque". E assim, tento colocar a primeira roupa que vejo pela frente, mas lembro que moro em Ribeirão Preto e não posso ir tão mal arrumada a ponto de subirem a janela do carro quando eu me aproximar e nem tão bem arrumada para não ser mais uma cafona maquiada transpirando ao ar livre.
Depois de meia hora de caminhada vagabunda, sento no primeiro banco com sombra e por coincidência ou não, me vejo ali no meio de várias crianças, curiosamente, acompanhadas apenas de seus pais. Comecei a contar. Sete crianças, 2 delas estavam com pai e mãe, suponho, juntos e 5 ali apenas com os pais. Deduzo por mim que é o famoso pai com liminar de visita aos domingos. Começo a reparar.
"Será que aquela mochila foi feita por ele ou a mãe da criança deu para ele tudo mastigadinha com o que a menina precisa? Se eu chegar nele e fazer um quiz: 'cite 3 itens que estão nesta mochila, valendo 5 mil reais', eu perco a grana?"
Mais a frente, no balanço sozinha, vejo uma outra criança faladeira demais, uma graça, toda saltitante e reparo que o genitor dela é o que está do outro lado, sentado no banco mexendo no celular. Paizão. Minhas pernas tremem e minhas mãos começam a ficar molhadinhas de ansiedade para perguntar o que a filha dele vai almoçar hoje, se vai ser algo preparado pela mãe dele, ou vai comprar comida pronta. Se ele sabe qual o nome do pediatra que a criança vai e a última vacina que cria tomou. Obviamente me aquieto. Começo a reparar em outro pai de domingo.
Este está sentado mais próximo do seu filho, que parece ter um pouco mais de 2 anos. Entediado como quem foi convocado para sentar no banco de reserva de um time de terceira divisão, eu posso tranquilamente apostar milão que não sabe qual foi a frase nova que o filho começou a falar e que quando a mãe sinaliza que é a vez dele levar o filho ao pediatra, terceiriza a função chamando a avó para levar. "O importante é cumprir a missão de levar ao médico e não ser presente na vida do filho", ele dirá com a tranquilidade de quem goza do seu privilégio de homem branco.
Não muito longe deste, outro paizão de parque, que não faz ideia qual é o medo da vez, a fruta da vez ou qual a dificuldade que a mãe está tendo na dura rotina de criar um filho de segunda a sábado. Vai sair do parque e ir direto para a casa da mãe dele, onde não vai se preocupar em dar uma atividade para a cria distrair enquanto tenta cozinhar em menos de meia hora sem interrupção. Não tem cara de quem vai ter que varrer o chão pós almoço, lavar a louça, trocar fralda, tudo em menos de 1h porque a perna precisa urgentemente ser estirada no sofá- doce ilusão porque vai ter que levantar de novo porque a criança novamente fez cocô.
Comecei a me punir demais por pensar em tanta maldade e resolvi observar ali o casal com os filhos, afinal, alguma qualidade boa da família brasileira que frequenta o parque em pleno domingo de manhã tem que ter. A mulher triste ali tem cara de quem levantou mais cedo para organizar tudo sozinha enquanto o pai só toma banho e faz a famosa cobrança: "ainda não estão prontos?" Imediatamente a mulher mira com olhar feito quem vai fuzilar o folgado e pega a bolsa, pega as crianças enquanto ele tem o duro trabalho de fechar a casa e reclamar porque a mulher esqueceu a água das crianças.
Voltamos ao pai com liminar na mão, que é tão previsível quanto Tite escalar Neymar para Copa do Mundo. Aquele que vai todo domingo no parque, até enjoar desta rotina, porque usou toda sua energia em processo civil para ter direito de ser pai de domingo. Ser aquele herói que faz a criança sorrir plena ao ar livre, com direito a balão de vinte reais que dura menos que a leitura deste texto. O pai herói que está fazendo este favor de levar a criança para brincar enquanto a mãe descansa, pelo menos por algumas horinhas de um domingo, não sabe sequer o que é acompanhar o desenvolvimento diário da cria. Não sabe o que é chorar de cansaço na hora de dormir e a criança simplesmente virar um power ranger azul em plena 23h e acordar na mesma madrugada com febre de 38 graus.
A sombra já foi embora e minha perna já está formigando. Não bebo água de côco, mas até que eu ficaria bonita no boomerangue do Story segurando um na mão, embora que a moda da vez nesta cidade é segurar taça de vinho branco nas fotos, para ostentar a vida que meu cartão de 800 reais de limite permite fazer 1 vez no ano.
Acho que é isso que vou fazer, tomar um vinho branco gelado debaixo de um ventilador empoeirado, bem ribeirãopretana.
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