Não fui escolhida para ser par na festa junina. Quando sobrou eu e o menino mais rejeitado e bagunceiro da turma, as professoras imediatamente "formaram o par" que ia dar os canos no dia da apresentação, que seria num sábado encalorado de um inverno.
Eu tinha 8 anos.
Também não fui a primeira melhor amiga da minha primeira melhor amiga, nesta mesma idade. E só descobri isso 25 anos depois quando ela postou no Instagram a foto da primeira melhor amiga dela de infância e não era eu.
Deixei de ser a filha preferida quando o filho homem desejado finalmente chegou após 6 anos da minha existência, eu perdi a preferência, os brinquedos de sexta-feira e a festa de aniversário que fora divida por uns 5 anos seguidos até eu abrir mão de vez de comemorar.
Eu também não fui a neta favorita, nem a sobrinha favorita. Colecionei poucos amigos e na educação física eu também não era a líder da turma.
Eu nunca cheguei perto de ganhar uma eleição de representante de sala da turma que eu frequentava desde o sexto ano, a não ser no último ano do ensino Médio que eu era aluna nova, que, curiosamente conquistei com o meu pouco carisma.
Eu nunca fui a mais bonita e nem a padrão do rolê, aprendi cedo que eu tinha obrigação de ser legal e inteligente para poder ser vista, mesmo eu tendo 1,76 de desajeito.
Eu nunca fui aluna de nota 10, mas quando se tratava em relacionamento com os docentes, eu era a primeira que esbanjava educação, empatia e respeito. Assim foi na faculdade, onde por pouco eu fui rejeitada, consegui ali me eleger como presidenta do Diretório Acadêmico, rivalizando com a colega de turma que hoje é uma das minhas amigas de internet e maternidade.
Eu conheci alguns amores neste meio do caminho, mas eram todos tortos na maneira de amar. Eu fui amor de um obcecado da igreja que eu frequentava, ele tinha apelido de 007, porque me espionava na faculdade. Eu acredito que usei essa régua por um tempo para definir o que era ser amada. Demorou para eu entender que aquilo era o caminho do feminicídio se eu não saísse a tempo.
Depois disso eu fui amada por três meses por um misterioso que terminou comigo por MSN e até hoje eu não entendi o motivo, sendo que ele que tinha feito todo o teatro para me conquistar, me fazendo as mais fofas surpresinhas românticas nas inspiradas festas de final de ano.
Teve um que me amou mas queria raspar minha cabeça se eu dormisse e eu estava longe do empoderamento feminino e conhecimento da Lei Maria da Penha.
Fui amada pelo que fazia serenata de MPB para mim depois de ter marcado um encontro em sua casa, na hora do almoço, com a sua amiga para transar. Ele jurou que eu estava louca e toda aquela tentativa de distorção da realidade que eles tentam fazer na nossa mente. Talvez esse aí eu até tivesse gostado mais que os outros, porque ser enganada por um poeta tem mais requinte e combina mais com meu jeitinho.
Eu também fui amada pela pessoa que me pediu em casamento sem aliança, e vai saber quais os motivos que aceitou a minha insistência de comprar o par de ouro que serviria para ficar esquecida na gaveta depois de uma série de violência doméstica que resultou no divórcio litigioso.
Nem eu mesma sei se acredito em amor romântico. Eu não fui o amor da vida de ninguém porque amor se sustenta na reciprocidade. E eu não amei ninguém de verdade, todos alimentaram apenas a minha vaidade.
E a vaidade fundiu pecaminosamente com corpos sem alma pela atração que somente os iguais compreendem. Todos eles também nunca foram escolhidos para dançar.
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