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Não era um texto meu que você queria?

Bem no início, quando a gente comensurava as palavras, os gestos e ainda colocava a melhor roupa para estar na presença do outro, fui cobrada como ninguém em uma relação envolvente deveria ser: "Eu queria ser um personagem de seus textos. Ser amado como os outros que amou nos seus textos."

Senti. 

Como explicar licença poética e amores  idealizados? Como explicar que nem tudo vivi e nem todos realmente amei? E os deboches que eu eternizei em escritos em forma de romance?

Mas por quê caralhos estou sendo cobrada?

Nenhuma mente, que estrutura palavras e sentimentos e transborda em letras públicas, funciona na base da pressão. Eu vou escrever quando eu quiser e nisso eu me tolhi por dois anos. 

Escrevi e não divulguei. Mas guardo arquivado as impublicáveis dores em meio à solidão que me enterrou viva durante o período mais caótico da minha vida. Você não merecia viver para sempre acima da minha assinatura dada à mim com tantos planos envolvidos.

Você esperava, como todo narcisista patológico, uma declaração pública com nome, aqui dispenso a modéstia, de uma pessoa muito admirável, que circulava bem quista ou bem odiada pela cidade interiorana que pouco venta.

O processo criativo fora totalmente bloqueado pela minha intuição que só foi desvendada naquele sol de outono em meio às testemunhas. Naquele dia eu usava o vestido mais caro que já usei na vida. "Que porra de declaração é essa que ele está fazendo?" Meus pensamentos foram tomados pelo meu inconformismo e culpa. "Não me conformo que ele está se declarando desse jeito."; "Eu não vou conseguir me declarar à altura." 

Não. Não consegui fazer meus votos espontâneos e disse muita merda embargada, surpresa por aquele teatro que confundia minha mente:

"Ele mente. Ele não me ama assim. Pelo menos nunca demonstrou. As pessoas estão chorando. Gente! É mentira dele, ele mal olha na minha cara. Vocês estão mesmo acreditando nisso? Estão. Todos aqui presentes estão acreditando que ele me ama como está dizendo. E agora? Vou tentar retribuir. Será que consigo?"

Mesmo com os braços inchados de tanta agulha, soro e medicação, as dores que eu sentia era da luta contra mim mesma diante de uma farsa que eu desvendaria nos próximos dias quando a primeira violência sexual seria praticada e que mudara totalmente o destino da minha vida.

Não. Aquela declaração pública e patética, não era a primeira e sempre vinha com a finalidade de massagear o seu ego, para que todos pudessem acreditar no quanto era bom e amável. Mas no raso eu sabia que era tão falsa quanto os sorrisos das fotos que instantaneamente apagavam quando a câmera desligava. Feliz-clique-milésimo-de-segundo-emburrado-de-novo. Uma sequência previsível para uma observadora como eu.

Era na minha fragilidade de um estresse pós traumático, seguido por uma gestação de risco que você crescia e se revelava em meio às punições em forma de tratamento de silêncio. Silêncio foi a presença mais marcante em todos os processos que precisei enfrentar em meio às variáveis mudanças de humor e do corpo. 

Silêncio, solidão, silêncio, solidão, silêncio, solidão.

"Você não vai falar comigo?"

Silêncio, solidão, silêncio, solidão, silêncio, solidão.

"Você não vai me responder?"

Silêncio, solidão, silêncio, solidão, silêncio, solidão.

"Você não vai tirar este fone de ouvido?"

Silêncio, solidão, silêncio, solidão, silêncio, solidão.

"Você não vai sair deste quarto?"

Silêncio, solidão, silêncio, solidão, silêncio, solidão.

"Você não vai me ajudar a aplicar a insulina?"

Silêncio, solidão, silêncio, solidão, silêncio, solidão.

Não tinha tapa na cara, mas doía como facada no peito quando o beijo que eu mandava em meio à amamentação foi retribuído com um  incompreensível sinal de joinha. "Que porra eu fiz para este caralho?"

Não tinha soco, mas tinha a punição de não me cumprimentar propositalmente em meu aniversário no dia que eu internava para trazer ao mundo o fruto da minha esperança. 
Não tinha rasteira, mas tinha silêncio, solidão, tortura psicológica.

Não era um texto meu que você queria? 

Aproveite o silêncio da sua real solidão para ler quantas vezes quiser, enquanto desfruto do barulho de uma família que agora é cheia de poesia e música.

Todo seu.



Comentários

Carol Viana disse…
Eu fui uma das pessoas que chorou na declaração do fatídico dia. Hoje sei que chorei pq quem realmente te ama sentiu muito medo de te perder pra sempre naquele acidente. Mas uma parte de mim estava atenta a sua reação diferente da de todos nós. Pus a culpa na emoção, mas hj sei que te conhecendo como te conheço devia ter esperado um texto melhor que o dele. "Uai. Como assim a Cris escritora não escreveu nada que fizesse a gente chorar?" Hoje eu sei. Que aquele olhar queria dizer tudo que vc disse no texto. Minha intuição de amiga estava no fundo certa. Vc não estava feliz. E hoje renasce. Toma aí, bonito. Teu texto. Kkkk. Escrevi assim pq percebi que vc não pública os comentários. Então posso me soltar.

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